No alto dos seus 102 anos, que seriam completados no sábado, dia 18 de julho, Nelson Mandela, se vivo estivesse, ficaria espantado com o mundo no contexto atual. Certamente estaria enclausurado em sua casa, sendo ele do grupo de risco para COVID 19, e assistiria a um cenário assustador. No dia de seu aniversário, o planeta alcançou a marca de, aproximadamente, 600.000 mortos pela pandemia em um saldo de 14,3 milhões de contaminados, números que remontam a uma situação de guerra mundial.
Mais ainda, Madiba ficaria estupefato com a postura de grandes líderes, muitos deles pormenorizaram a pandemia nos primeiros dias do ano, e tiveram pouco tempo para agir quando a situação ficou caótica, como foi o caso da China, da Itália, da Espanha e do Reino Unido. Assim como boa parte da opinião pública, repudiaria as declarações de Bolsonaro e de Trump, qualificando todas as ações dos dois presidentes como atos de negligência em meio a uma pane sanitária, que afeta, diretamente, a população mais pobre, na sua maioria negros,latinos, moradores de subúrbios e áreas periféricas.
Olhando para a situação da África do Sul, que é o quinto país do mundo com casos ativos do Novo Coronavírus ( ficando atrás de Estados Unidos, Brasil, Índia e Rússia), Mandela, no alto de sua senilidade, cobraria esforços para a contenção do contágio, uma vez que, em tempo,o país, que é o mais rico e industrializado do continente africano, fechou as fronteiras com outras nações, como Moçambique por exemplo. Atualmente, já são mais de 200 mil infectados e,aproximadamente, 3000 mortes. O nosso personagem se sensibilizaria com as áreas mais pobres dos grandes centros urbanos como Pretória e Johannesburgo.
De longe, a África do Sul concentra quase a metade dos casos de contaminação em todo o continente, apesar da taxa de mortalidade estar em 1,6%. Diferente dos outros países com números expressivos de casos, os sulafricanos possuem taxas de internação bem inferiores para o que foi previsto pelas autoridades de saúde durante este período. Todavia, diante de uma situação ainda confortável, o ex-presidente chamaria atenção para os alertas dados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre as testagens em massa, o que facilitaria o isolamento e a detecção de casos mais graves.
Mas,afinal de contas, qual o legado que Nelson Mandela deixa para o enfrentamento de uma crise pandêmica no mundo?
Mandela e Tedros – A África dá exemplo ao mundo
Em lágrimas e sob forte clima de decepção, o representante da Organização Mundial de Saúde,Tedros Adhanom, em uma de suas últimas reuniões, pediu para que os países se unissem no intuito de haver soluções práticas para enfrentar a pandemia. Desta forma, vem a mente a missão de Mandela em meio a uma África do Sul esfacelada pelo regime do Apartheid que durante anos segregou brancos e negros, inspirando a indústria cinematográfica mais adiante.
A ideia de unir os sul-africanos veio um ano após a sua eleição. O país sediou a Copa do Mundo de Rugby em 1995 e, de forma sabia, Madiba juntou brancos e negros por meio de um esporte praticado pela minoria. A África do Sul não só ganhou o torneio em casa como provou ao mundo que estava disposta a curar a ferida da segregação de raças, unindo povos e tribos, colocando assim o país na rota civilizatória. Os Springboxes (como é chamada a seleção de rugby) deram um passo importante para um novo momento, deixando uma valiosa lição para os dias de hoje. A união dos diferentes, em tempos de calamidade, é possível se olharmos para o esforço de Mandela em unir um país por meio do esporte.
Entretanto, é preciso pensar a iniciativa de unir as pessoas para os dias de hoje, quando o mundo enfrenta uma crise sanitária sem precedentes. Da mesma forma que a situação, em si, nos convida a refletir para depois agir em união de esforços,pensamentos e cooperação entre líderes e população. Esse é o chamariz, um teaser, de um novo normal tão aguardado em expectativas e angústias.
Resiliência nos dias de hoje
Quando estava preso, Nelson Mandela fez da sua resiliência a força necessária para transformar o tempo e lidar com ele. Na verdade o seu nome pode ser considerado o sinônimo para a ação que se dá em se adaptar a uma realidade. Durante o tempo em que esteve encarcerado, Mandela ficou em uma cela de 2,5 x 2,1 metros,uma quarentena de 27 anos. Neste espaço de tempo, por de uma janela de 30 centímetros, Madiba viu o tempo passar, o Deus Tempo, Tempo Rei e, a partir daquele momento, aprendeu coisas novas como o africaner, a língua dos brancos sul-africanos.
Mandela fez da prisão o seu aprendizado e da resiliência o seu tempo.Durante estes quatro meses, sentimos essa mesma sensação em meio as aflições entre mortos e infectados pela COVID 19. Aprendemos outras habilidades, nos reinventamos, ressignificamos as nossas vidas e como o grande líder, almejamos uma liberdade aprendendo a ser resilientes com tempo.
A verdadeira liberdade
Liberdade, palavra que tanto almejamos em tempos de quarentena imposta.Mas qual o valor verdadeiro de uma liberdade? Mandela nos ensinou o sentido real de ser livre ao conciliar o seu povo com os valores de um novo tempo. Quanto aos tempos de hoje, uma pergunta fica no ar: Será que estamos preparados para um novo normal, onde um outro mundo vai se descortinando aos nossos olhos? Assim veremos em um futuro incerto.