Para muitos profissionais da comunicação, o jornalismo é uma área intocada e capaz de acessar as instâncias de poder. Neste sentido, o jornalista é considerado uma entidade encantada, um super herói da informação, que, assim como quem trabalha em uma carreira jurídica, acessa os poderosos e suas decisões por meio da palavra em suas mais variadas formas. Das bancadas de jornais no horário nobre, vislumbramos os ditos “guardiões” da informação, pessoas que vestem uma capa de seriedade, tudo em prol da audiência.
Dito isso, presenciamos, nas últimas semanas a presença da jornalista Rachel Sheherazade no reality “A Fazenda”, da Record TV. Este fato, até então considerado inusitado, trouxe para o programa, conhecido pelos seus intermináveis e mal-sucedidos barracos, um ar de leveza,pois a moça se mostrou, se arriscou e pautou, do seu jeito, os outros participantes com argumentos, algo que não se via ao longo das edições do reality. Falou de ética, enfrentou falsas acusações de racismo,citou Paulo Freire quando esteve na tal “roça”, chorou, abraçou e fez amigos.
Desta forma, Rachel se permitiu desafiar, saiu da porção jornalista, daquela profissional de opiniões contundentes e fortes,que desafiava os poderosos, para abraçar um mundo que não era seu, um lugar estranho, de pessoas que não faziam parte da sua bolha. A moça, do alto de seus 50 anos, se viu envolta de riscos, se sentiu insegura, acolheu, adotou filhos postiços e criou elos com pessoas aleatorias que, assim como ela, se sentiram fragilizadas por serem incompreendidas, amendrontadas ou fora do padrão ditado pela casa em sua maioria.
Sua participação resultou em indices de audiências que o programa não alcançava, até que, um golpe do destino, premeditado pela direção da atração,lhe tirou a oportunidade de competir pelo prêmio máximo. Mesmo com o dito equívoco, Rachel ficou muito maior que a tal fazenda e arrebanhou uma legião de fãs nas redes sociais, se tornando, em poucos dias, uma celebridade, chamando a atenção do diretor de um outro grande reality show.
De musa do reacionarismo rebelde à moça que bateu de frente com o sistema reacionário. Rachel Sheherazade mudou, recauculou rotas, leu muitos livros, aprendeu coisas novas e se abriu para novos ensinamentos e causas. A maior guinada de sua carreira se deu após a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em 2019, quando ousou enfrenta-lo com videos gravados no YouTube. Com isso, a nossa colega se tornou inimiga declarada do poder vigente e foi chutada moralmente por todos os cantos até ser demitida, de forma fria, por um e-mail,após ter a sua cabeça pedida por um grande patrocinador, apoiador do governo em questão .
De quatro anos para cá, Rachel fez pequenas aparições em alguns veículos de informação e amargou o ocaso impetrado por um sistema viciado, onde o hoje politico inelegível usou de sua influência ao ligar para as redações com o intuito de implantar pautas favoráveis ao governo, fato esse revelado pela jornalista durante o confinamento.
Da moça de opiniões fortes, que ocupou uma bancada de telejornal no horário mais disputado da tevê brasileira, a participante de reality show. Rachel, aparentemente falando, não tem medo de mudar e vê isso como algo necessário para se reposicionar em um mercado altamente competitivo como o nosso.
Os passos dessa moça paraibana, de traços finos, que encontra na força da palavra a sua expressão, devem servir de exemplo para todos nós jornalistas. As vezes, mudar, virar a chave e arriscar, é um mal/bem necessário para compreender o mundo, as pessoas, desejos e quereres a nossa volta. O jornalista, enquanto operário da informação,nunca deve ter medo das mudanças e da necessidade de tê-las em si.
Fica a dica para quem se prende em crenças ditas “eternas”,pois o mundo muda e com ele vem a necessidade constante de mudar. Uma nobre lição para quem se resume a arrotar palavras na frente do computador.