Mal começou o mês de setembro e o Brasil levou um tombo de quase 10% negativos no seu PIB, resultado do segundo trimestre segundo os órgãos responsáveis. Além disso, a cesta básica ficou mais cara nas principais capitais do país e o principal prato de boa parte dos brasileiros está em evidência diante da alta nos preços dos principais alimentos. Impossível e surreal é ver o atual governo permitir, na cara dura, que o povo possa comer feijão sem arroz. Ainda no nível da surrealidade, bizarro é assistir o presidente da república pedir patriotismo aos donos de supermercados para baixar os preços do produto, uma vez que, pelo histórico visto na pandemia, o mesmo, diante de bravatas e ameaças autoritárias, mais atrapalhou do que ajudou.

Neste céu nebuloso que se tornou a vida política e social no Brasil de 2020, não podemos e nem devemos pôr a culpa na iguaria que, daqui para a frente, pode se tornar artigo de luxo nas cozinhas das famílias brasileiras. A responsabilidade é de quem poderia zelar pela estrutura alimentar do país,pois estamos sob risco de desabastecimento das prateleiras nos supermercados, o que obriga os seus donos a incentivar o racionamento dos itens essenciais na cesta básica. Enquanto isso, o arroz se torna a musa inspiradora de memes e piadas na internet.

Várias variáveis

A alta nos preços do arroz já pode ser sentida há muito tempo. Sem tirar a entressafra, período em que a saca do produto fica mais cara, outras variáveis contribuíram para que o grão branco nosso de cada dia sofresse essa variação no seu valor de compra, como a elevação do dólar, que implicou nas exportações, e a grande demanda durante a quarentena. Para além da alta nos preços, que forçam o brasileiro, sazonalmente, a mudar hábitos de consumo, é possível pensar que estaremos vivenciando algo que já foi visto e será revisitado em tempos de recessão, a inflação galopante.

Diante desta situação, para quem viveu a política econômica de terra arrasada, deixada pelos militares, bem como os mirabolantes planos da Era Sarney, lamento informar que voltaremos no tempo, mais precisamente nos anos 80. Com o aumento dos itens básicos, os preços tendem a inflacionar e, com a redução do auxílio emergencial, a situação pode piorar ainda mais.

Caro leitor, vendo este cenário podemos inferir que, diante dessas variáveis, que estamos as portas de uma calamidade geral. Quem pensava que, em pleno século XXI, vivêssemos, além de uma crise sanitária, uma outra de ordem alimentícia?

Celeiro agrícola tipo exportação

Na complexidade de sua dimensão territorial, quase um continente dentro de um país, o Brasil possui uma produção agrícola extensa. Entretanto, tudo o que se produz ou não é bem distribuído ou, aproveitando a alta do dólar, é destinado a exportação. O Brasil exporta bastante, mas não tem uma política pública consistente para abastecer o seu mercado interno. Em tempos de crise, é necessário um planejamento que visa prover mercados e demais centros de compras e abastecimento com preço justo, reajustando impostos e cortando outros, além de promover medidas de incentivo à produção.

Durante os últimos anos, o governo federal, para equilibrar a balança comercial, comprou dos produtores para manter os preços. Com dólar estável, as exportações se mantinham sob controle. entretanto a insistência de potencializar a exportação de matérias primas em commodities continuou a onerar o bolso do consumidor.

Neste cenário, e em meio a crise que será enfrentada, é necessário que o país tenha o interesse de criar mecanismos para fortalecer o mercado interno e cabe ao estado o papel de estimular a produção, dando incentivos para que haja uma cadeia de produção consistente. desde os produtores até o destino final, aquele que consome.

Desta forma, ao cuidar e estimular a cadeia de produção interna o país tem uma reserva para manter a economia equilibrada de modo a dar uma consistência ao mercado interno e externo. Do contrário viveremos sofrendo com o esvaziamento do estoque, o que já começou a acontecer.

O arroz e o futuro da economia brasileira

A alta do arroz no mercado interno reflete no poder de consumo dos brasileiros. Desde que o Real foi adotado como moeda em 1994, o cidadão nunca tomou um rombo tão grande no bolso. O preço do grão branco nas feiras e demais centros de compras, a alta demanda durante a pandemia e a prioridade de exportação do produto afetaram a capacidade de compra do brasileiro, que está fazendo um malabarismo para manter o padrão.

Entretanto, diante de tempos tão incertos para a economia neste retorno a normalidade, a ordem agora é estocar o alimento e comprar em poucas quantidades, algo que já está acontecendo mediante as imposições para controle de estoques nos supermercados. O que é certo afirmar é que o ano de 2020 marca o pico do retrocesso econômico e, daqui para a frente se o país continuar na adoção da mesma postura, a situação se agravará ainda mais.

Desde 2015, o número de pessoas que voltaram para abaixo da linha da pobreza vem aumentando cada vez mais. Prova disso é que aumentou em cerca de 3 milhões a taxa de brasileiros sem acesso regular à alimentação básica, segundo dados divulgados durante esta semana pelo IBGE de um levantamento feito entre os anos de 2017 e 2018. Neste sentido, pensar que estamos em uma viagem insólita, retornando a um passado não tão distante, é uma difícil realidade a ser encarada daqui para a frente.

Para finalizar, a culpa, por este estado de coisas que afetam a nossa economia, não é apenas do arroz, mas sim dos equívocos cometidos por uma prática desenvolvimentista e predatória dos últimos governos. Nesse caminho de retorno, o brasileiro, iludido por um novo milagre econômico, vai ter motivos de sobra para apertar cada vez mais o cinto.

Infelizmente, o novo “normal” do brasileiro médio vai ser a troca da carne pelo ovo na sofrida dieta alimentar do dia a dia.

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