A falsa ilusão que a abolição da escravatura criou na sociedade não resolveu os problemas deixados pela escravidão no país

A sucessão de fatos que nos levou ao cúmulo do absurdo na política brasileira tem origem em 2013 e foi potencializado em 2020 em meio a uma crise sanitária sem precedentes no planeta. Isso é um fato indiscutível, se levarmos em conta a linha do tempo de uma rede social pautada em protestos de rua, golpe de estado e, finalmente, ao autoritarismo que leva no seu bojo personagens distópicos e de psiquê duvidosa, por vezes afetada. Este é o Brasil que conhecemos hoje,gestado na indignação “nonsense” do “cidadão de bem”, exaltado em verso e prosa nas bocas conservadoras,policialescas e estridentes do final da tarde.

Não bastasse o surto do Novo Coronavírus, que está lotando as UTIs dos hospitais brasileiros e desnudando as péssimas condições sanitárias no país para se realizar uma quarentena digna, vivemos com questões mal resolvidas e que sempre vem a tona para nos colocar em estado de reflexão sobre o nosso passado. Na efervescência das discussões e decepções com o atual mandatário deste país na condução de uma crise mundial seria , o racismo vem sempre como uma marca, uma ferida aberta no seio da formação social do país.

Voltando na História

As mortes de João Pedro e do garoto João Miguel, no Rio em Recife respectivamente, mostram que o país sempre vai se ver às voltas com as questões raciais, que,ao meu ver, sequer foram resolvidas sob a ótica humanista e libertária. É só olhar na história e ver que, de forma gradual, o projeto era inserir o Brasil na terceira fase da revolução industrial libertando a mão de obra escrava, sem ter, para este tipo de força de trabalho, um projeto digno de cidadania e inserção no crescente fabril das áreas urbanas.

Com o apoio das elites oligárquicas, a Lei Áurea não veio com a ideia de dar um tônus reformista, mas sim evitar a Reforma Agrária segundo o historiador Luiz Felipe de Alencastro em uma entrevista concedida para a BBC Brasil no ano de 2018. A ideia de quem apoiou um “golpe republicano”,além de inserir o país no mapa da revolução industrial, era não deixar que houvesse um projeto capaz de abrir o monopólio da propriedade e da produção para quem conseguiu a tão sonhada liberdade, que nunca esteve em primeiro plano no projeto dos quem dava pitacos e influenciava no poder durante o período do império.

Refletindo nos dias de Hoje

Sem perspectivas de país, o preto recém liberto se viu na mira da truculência do estado e da segregação em todas as suas matizes. A eugenia foi (e ainda é) a solução brutal das elites para oprimir e, em último recurso, exterminar. Isso é representado sempre na falta de planos e projetos para a população pobre, a sua maioria preta, que se encontra nos morros e comunidades.

Dessa forma, o sonho da liberdade, para o povo preto no Brasil, foi uma ilusão. Talvez seja por isso que os fatos históricos venham, sob os holofotes iluminados da mídia,para nos lembrar da ferida que não foi totalmente estancada. A abolição nunca teve, como escopo, a finalidade de,além da “falsa impressão de liberdade”, tornar os recém-libertos seres dignos de exercerem a cidadania, uma vez que isso nunca fez parte do projeto e país modelado por setores da elite.

Hoje, em meio ao caos causado por uma pandemia que escancarou a pobreza e uma crise política com raízes em 2013, coube as tragédias que envolveu uma crianças e um adolescente nos mostrar que existem questões ainda não foram resolvidas, mesmo com a abolição da escravatura pela Lei Áurea. Isso nos faz refletir sobre o quanto uma nação, diversa em toda a sua formação, errou ao abraçar de vez o capitalismo industrial em detrimento de um projeto cidadão, que proporcionasse, para TODOS os brasileiros, condições que visam ao exercício da cidadania em sua integralidade.

Desde 1888, que o negro tem a falsa ilusão de que, respirar a liberdade, seria ter as mesmas condições de uma pessoa liberta. Cabe a nós, enquanto a sociedade, remodelar o propósito do “ser livre”, tornando- o com efeitos concretos e coerentes segundo os valores democráticos vigentes na Constituição de 1988, que sacramenta os princípios do que é cidadania.

A partir da consciência e maturidade de uma sociedade em formação, em meio as reações aos dois fatos e intercalando com o ocorrido em Minneapolis (EUA), é possível perceber que estamos em um novo longo caminho a ser trilhado.

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