Liberté, Égalité, Fraternité et Laicité
(Liberdade, Igualdade, Fraternidade e Laicidade)
O estado laico é um estado neutro e leigo. Laicidade é: “um princípio político que rejeita a influência da Igreja na esfera pública do Estado, considerando que os assuntos religiosos devem pertencer somente à esfera privada do indivíduo. É, por conseguinte, um conceito que denota a ausência de envolvimento religioso em assuntos governamentais, bem como ausência de envolvimento do governo nos assuntos religiosos “.
O Brasil é considerado um Estado Laico em virtude de dispositivos da Constituição que amparam a liberdade de religião, assegurando-se o direito, inclusive, ao ateísmo. Em princípio, as suas diretrizes, leis e instituições públicas não poderiam ser determinadas nem governadas com base em determinada religião ou credo. É convencionado que os dogmas, crenças e doutrinas religiosas não poderiam ser utilizados como fundamento para determinar como a nação será conduzida e administrada.
Porém, muitos fatores colocam a laicidade em questionamento, como, o fato dessa mesma constituição – que defende o estado laico – possuir em seu preâmbulo uma menção a Deus. No mesmo sentido, os órgãos públicos, como Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal, também possuem símbolos religiosos, relacionados a Jesus Cristo, e a cédula da moeda nacional traz impressa a mensagem “Deus seja louvado”.
Além dessas questões que sempre existiram, tivemos na última eleição a religião como papel decisivo, inclusive com a vitória da chapa que tinha como slogan “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos!“, chapa essa, encabeçada por um cristão retrogrado e preconceituoso.
A influencia da religião nas decisões políticas do Brasil, é evidenciada na atuação de uma bancada evangélica (frente parlamentar do Congresso Nacional integrada por políticos evangélicos de partidos políticos distintos) que se articula contra temas como igualdade de gênero, aborto, eutanásia e casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo.
Mas como estamos aqui para falar sobre as principais divergências entre o Brasil e a França, a laicidade é uma questão que torna intrigante essa diferença: trata-se do famoso “nem 8 e nem 80“. Enquanto no Brasil a religião interfere na maioria das decisões, aqui na França algumas decisões interferem no direito de expressar a sua religião.
Em qualquer reunião, os olhares se cruzam com indignação ao me ouvirem dizer que sou católica ”misturada” (já que acredito em diversas religiões ao mesmo tempo, resultado do sincretismo religioso baiano).
Surge, assim, uma espécie de descrença, que afirma que é quase impossível, eu estar ligada a uma religião, diante da minha bagagem instrutiva educacional.
A composição religiosa na França, é imensurável. Segundo o observatório de Laicidade em 2019, temos os seguintes números: Crentes (37%), Ateus ou não-crentes (31%), Agnósticos (15%), Indiferente (10%) e Sem resposta (7%).
Entre os crentes, estão as mais diversas religiões tais como muçulmanos, judeus, católicos romanos, budistas, protestantes, etc.
Porém, o que pude perceber é que existe uma espécie de “opressão“ da Laicidade.
Mais do que um simples método legal de organização das relações entre o Estado e as religiões, a Laicidade também funciona na França como um valor cívico, “inscrito nas tradições” e no centro da “identidade republicana”.
Desta forma, gerou leis e regras estritas em relação a demonstração da religião no dia a dia.
A principio, temos a criação da lei de 15 de março de 2004 que proíbe o uso de roupas e símbolos religiosos na escola.
Esta lei é aplicada desde o início do ano letivo de 2004/2005 e proíbe diversos itens religiosos tais como o véu (hidjab, chador, khimâr), a quipá (peça de vestuário utilizada pelos judeus), cruzes cristãs (católicas ou ortodoxas), o dastaar, (turbante com o qual os sikhs escondem seus cabelos) e qualquer símbolo que invoque uma religião.
Porém essa restrição, ficou ainda maior, com a criação da lei de 12 de outubro de 2010, proibindo o uso do véu completo em qualquer espaço público gerando uma indignação por parte do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Este comitê, composto de 18 especialistas independentes de todo o mundo, declarou que o direito de praticar a religião inclui o uso de vestimentas e coberturas de cabeça.
Mesmo parecendo improvável, esta lei foi baseada no resultado da reflexão sobre a aplicação do princípio da Laicidade por um comitê composto por 20 membros (professores, pesquisadores, advogados, políticos, funcionários da escola), chamado de Comitê Stasi de Laïcité.
Porém, muitos acreditam que a proibição do véu islâmico prejudica desproporcionalmente o direito de mulheres muçulmanas a manifestarem suas crenças religiosas, podendo levá-las a ficar confinadas em casa e marginalizadas, sem acesso a serviços públicos. Logo, a liberdade à prática de religião foi infringida.
A laicidade da França gera problemas de integração, muitos acreditam que seja voltada para oprimir as minorias marginalizadas e sem representatividade social.
Desta forma, o que falta à França e ao Brasil, é, segundo o jurista francês Dominique Rousseau, avançar para uma “forma relacional de laicidade, em que cada um se reconhece a si próprio e ao outro como diferentes, nas suas religiões, e assim se aceitam, porque nenhum tem uma visão única do mundo”. Mas não é por esse caminho que o mundo parece seguir.
A complexidade dessas questões e a dificuldade em encontrar o equilíbrio em um contexto social e político revela, sem dúvida, um caminho longo a percorrer, inclusive para alcançar soluções de consenso.