Não há como negar que o Brasil está vivendo ares de desumanidade em seus grotões. De norte a sul, noticias tem chocado o brasileiro pela falta de empatia com o sofrimento do outro. Certos descasos podem ser propositais (ou não), entretanto, o que se prova é que nunca estivemos em um extremo de barbárie tão grande, o que remonta fatos ocorridos que foram narrados em certas passagens bíblicas do velho testamento.
A noticia de uma juíza que impediu uma menina com 11 anos de realizar um aborto após um estupro em Santa Catarina tomou as redes sociais e causou comoção e revolta na sociedade. A magistrada Joana Ribeiro Zimmer indagou se a criança poderia ficar com o bebê na barriga um pouco mais, uma vez que, em um entendimento próprio, a gestação ultrapassou o limite de semanas para o hospital realizar o procedimento.
Para além disso, durante a audiência, a juíza argumentou sobre a possibilidade do bebê ser retirado e adotado: “A gente tem 30 mil casais que querem o bebê, que aceitam o bebê. Essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal.”. A justiça do estado está investigando a atuação de Joana Ribeiro Zimmer no caso e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) anunciou apoio à criança.
Este é só mais um caso em meio a tantos que vimos passar nas time lines das nossas paginas e nas manchetes dos jornais ao longo dos últimos anos. Não é demais lembrar que em 2020, uma criança de 10 anos, também vitima de estupro, quase foi impedida de realizar o aborto por grupos religiosos ditos “pró-vida”, que promoveram vigílias na porta do centro de saúde, pressionando para que o ato em si não ocorresse, uma vez que tanto a mãe, quanto o bebê corriam risco de vida.
Diante de tudo isso, vale enfatizar que os dois casos envolvem duas crianças, com seus corpos e mentes em formação. O que ficará disso tudo são os traumas no corpo e na alma, cicatrizes que custaram muito a desaparecer, diante do que parte da nossa sociedade se tornou, uma vez que estamos tratando de seres que estão em um processo de transição e que ainda não possuem preparo físico para gestar vidas.
Infelizmente estamos em um país onde as questões morais são tratadas como verdadeiros tratados com clausulas petreas, cujos pontos e argumentos se impõem aos fatos. Neste caso, ao impor o tal “direito a vida” condicionando isso a uma pauta moral, estamos tratando de forma cruel sobre um fato que deve ser visto com humanidade e racionalidade. Há muito tempo que o bom senso, nesse país, virou um artigo de luxo e algo exclusivo de pessoas com tamanha sensibilidade.
Deste modo, conclui-se que a moral não pode ser vista como um ponto impositivo, diante da razão onde várias vidas estão na linha do risco, pois quando falamos em planejamento familiar sobre estes casos, explicitamos acerca dos cuidados que deveriam ser possíveis para que uma gravidez indesejada não ocorra, caso não haja a necessidade de abortar, de tirar uma vida que nem era para estar sendo gestada em corpos que ainda não possuem estrutura para que um recém nascido se desenvolva de forma plena.
Comunidades Terapêuticas ou Campos de Concentração?
No Brasil, a política de combate as drogas ilícitas vai além de ser um caso de saúde publica e, de longe, deixa de estar na pauta de politicas de segurança. A religião, em um caráter assistencialista, se interessa por confinar pessoas em estado de drogadição, catequizando-os a sua maneira. Pois bem, uma matéria divulgada pelo Fantástico no último domingo (19) pôs mais fogo na fervura da relação entre religião e a moral caritativa.
Religiosos utilizam deste expediente, criando comunidades terapêuticas para autopromoção, entretanto o que se vê é assemelhado a um campo de concentração. Internos que deveriam ser assistidos com uma política de cuidados pessoais, tendo a sua integridade ferida e exposta a castigos humilhantes. por descumprimento de regras das instituições. O deputado federal Pastor Sargento Isidoro (Avante) foi um dos denunciados pela reportagem.
As imagens explicitas mostram castigos humilhantes e segregação, uma prova que a religião, da forma como se aplica, é uma arma de controle de mentes e da moral, desumanizando corpos para a manutenção ideológica de um sistema. Neste caso, a mesma mão que salva é a que pune e a drogadição vira um problema em segundo plano.
Desumanidade
Os dois casos são exemplos do como a sociedade brasileira sempre puniu e alijou aqueles que estão a margem do que ela delimita. Os corpos da jovem gravida de 11 anos e dos internos assistidos pelas comunidades terapêuticas são uma mostra clara da humilhação, da exposição e da falta de dignidade que essas pessoas deveriam ter como direito, tirando-as da condição de humanidade. Não obstante, o termo “CPF cancelado” se aplica a seres que morreram sem serem dignas do direito a vida ou viver de forma integra e assistido pelas leis.
Não são CPFs e RGs cancelados ou vistos com indiferença pelos olhos de um estado que promove esse ato, mas sim seres que deveriam ser tratados como prioridade diante da vulnerabilidade que os acompanham, uma vez que ser digno, diferente da moral que enquadra e pune na indiferença ou no castigo, é desenvolver um conceito humanista diante da vida.
Enquanto não vemos atitudes que remetam a dignidade do ser humano, a moral julga e enquadra esses corpos, colocando-os nas caixinhas de um falso moralismo hipócrita que persiste em ditar as regras sociais.