Fazer gestos, utilizar acessórios, tatuagens e até mesmo camisas de personagens e times de futebol se tornou algo arriscado em grande parte do Brasil. A ação de grupos criminosos, ligados ao tráfico e às milicias, reconfigurou hábitos simples em símbolos de uma guerra sem fim, que envolve disputas territoriais por domínio dos pontos de comércio das drogas e outros entorpecentes, transformando lugares marginalizados em verdadeiros feudos contemporâneos. Um descuido para fazer um simples sinal bobo pode ser um passo fatal a caminho da m0rte.
Nos últimos meses, só na Bahia, seis pessoas tiveram suas vidas ceifadas por fazer sinais como o “V” com os dedos ou um “3”, ligados aos grupos Comando Vermelho e Bonde do Maluco (Braço direito do PCC no estado). A apropriação destes gestos, alguns ligados historicamente, em sua grande maioria, a tribos identitárias, se dá na identificação deste grupos que ressignificaram tais símbolos, dando uma outra conotação. O domínio pela linguagem simbólica, infelizmente, também atinge as nossas comunicações por aplicativo, bem como as imagens que fazemos das nossas viagens. O exemplo mais recente está na morte de um jovem de 14 anos em Jericoacoara no Ceará que, ao fazer um determinado gesto , foi m0rto por integrantes de uma f4cção.
O uso de cores, camisas com personagens e marcas esportivas também foram apropriados pelos criminosos. O exemplo mais recente de um trabalhador autônomo, que ao vestir a camisa do Mickey Mouse, teve sua vida ceifada em uma praia do recôncavo baiano, mostra como a criminalidade tem se apropriado (de forma violenta e descontrolada) de toda uma simbologia simples que tem permeado nossas vidas, uma vez que essa apropriação tem nos colocado em uma situação de retirada do nosso livre arbítrio, do direito individual de escolha e domínio dos corpos em detrimento as disputas de uma guerra sem fim, provocada, em sua maioria, pela corrupção e ausência de um estado necessário em áreas afetadas pelos conflitos constantes entre estes grupos.
Situações como essas acontecem onde a marca da desigualdade provoca um vácuo de poder e representatividade, que se dá na forma de efetividade dos serviços públicos, desemprego, subemprego e pobreza extrema, em alguns casos. O estado e a sociedade, por suas próprias ações, se apequenaram diante de uma realidade cruel e sangrenta que tornam a juventude como alvo preferencial, ora como cooptados pelo sistema marginal, ora enquanto vítimas.
Diante de todo o estado de exceção, imposto pelo poder paralelo, aqui vai uma pergunta para quem deveria agir contra toda esta problemática: Quantas mortes mais veremos até escalar em algo muito mais grave? O que resta afirmar é que em dias de alta no custo de vida, que empurra nosso povo ao fosso da marginalidade, estamos no fio tênue entre o dois e o três. Entendedores entenderão.