A pandemia consolidou as sombras de um país tóxico que saiu das urnas em 2018. Revelou a intensidade dos defeitos que sempre varremos para debaixo do tapete com o mito da cordialidade brasileira. E do submundo dos nossos enganos,entre a direita e a esquerda, surgiu um anti herói, o misto dos nossos lados negativos, da verdadeira psiquê, um verdadeiro laboratório freudiano e behaviorista para os que lidam com o comportamento humano.
Na Doutrina Espírita, designamos Umbral o termo para se referir as zonas inferiores do plano astral, de onde vem, ou habitam, os espíritos,ditos,trevosos. De 2013 para cá, alimentamos os egos deste lado umbralino e entre as lacrações e cancelamentos, de ambas as partes, surgiu a nuvem tóxica do ódio, do qual,segundo a literatura espírita, estas entidades se alimentam, a grosso modo.
Colocamos muros e nos isolamos nas bolhas de conforto. Deixar como estar é a regra de defesa para os dias tristes que estamos vivendo. Esse é o cenário de um Brasil atual tomado pela omissão das muitas mortes causadas pelo misto pandemia/racismo/misoginia e similares. Bolsonaro é o Brasil real, um país que surge do submundo da nossa consciência, da catarse daquilo que pensamos ou achamos sobre alguém ou alguma realidade. Ele é a infeliz soma de um país psicologicamente doente,dos monstros que tornamos públicos a partir dos nossos juízos de valores infundados,dos mitos que ficaram,até certo tempo, no imaginário do brasileiro mediano, produto de uma história marcada por exploração e escravidão.
E neste clima de guerra declarada, só falta o estopim para que todos fiquem contra todos, parafraseando o título da grande obra de Leandro Karnal, ao meu ver, o best seller filosófico do ódio nosso através dos tempos e que explica a realidade vigente do esgoto que se tornou o Brasil.
Ideoplastia da Realidade
Dos pensamentos do brasileiros, a realidade toma cores e formas reais. Sete anos depois, desde a primeira onda de protestos com cunho difuso, as formas do que pensamos ou sentimos ficam concretas. Das mentes doentias, surgem as fake news, a realidade surreal que brota da pós verdade e o mundo paralelo do bolsonarismo preenche o noticiário todos os dias. Esse país, recém saído das letras de Orwell na célebre obra “1984”, domina o cotidiano nas ruas, esquinas e palafitas.
E da ideoplastia dos nossos sentimentos e pensamentos, zumbis surgem travestidos de pirilampos em tons verde amarelos, um eufemismo palatável para quem sintoniza na indignação desproposital. E, a partir da esquerda, esquecemos que o povo sente fome,mora mal e morre constantemente, sob todas as formas, pelas mãos de um sistema que é o retrato fiel da sociedade que construímos durante cinco séculos.
Entre as pautas identitárias e a vaidade das ideologias, o totalitarismo surfou no auxílio emergencial e revelou as fraquezas do campo progressista. Não adianta ser moderninho,pregar igualdade e equidade se, ao seu lado, você divide e diminui o outro na base do seu empoderamento, do juízo de valor que define um modo particular de viver. Não é com as mágoas de um ego moral que se educa uma nação,pois a carestia não vê gênero e nem diversidade.
Enquanto a popularidade de Bolsonaro alcança o seu pico,dentro de uma perspectiva realista na política brasileira, o bloco de esquerda bate cabeça em seu ego e vê, aglomerada de um puxadinho a parte, a extrema – direita ditar o tom das nossas vidas dia após dia.Isso é a prova mais cabal de que o egoísmo e a vaidade vão levar a democracia no país a uma derrocada.
Egoísmo político
O ano de 2018 deixou sequelas na política. Elegemos um engodo e vemos natimorta uma esquerda esfacelada na fogueira das vaidades. A direita, essa vocês já sabem como está e em que tempo parou. Nunca, na história deste país, vivemos tempos democráticos tão incertos, sem uma liderança que possa coadunar ideias e lideranças, juntar as pessoas em torno de um projeto de país, até então esquecido nas gavetas de um arquivo morto.
Saímos do paraíso, onde o brasileiro mais esclarecido acreditava estar em um mar de democracia, para tentar sobreviver ao Umbral que o país se tornou. Do Céu ao Inferno, o certo é que iremos juntar os cacos de um país destruído, não por um sociopata e sua trupe de lunáticos, mas sim pelo egoísmo das classes políticas que reivindicam o “biscoito” do protagonismo político. E neste excesso de carência, perdidos estamos nós, a deriva, a espera de um milagre que acreditamos vir em forma de vacina.
Infelizmente (ou felizmente), não, diante de uma situação caótica, só nos resta, no nosso imaginário progressista, a esperança que nunca morre em dias tão epidêmicos e nocivos para a vida humana. O Brasil e a esquerda morre, aos poucos, no excesso das vaidades de alguém que um dia foi picado pela mosca azul do poder. Morre na alma e no ego. Triste país. Que a força de Tupã nos console.