Há muito tempo, a Ilha do Marajó, no estado do Pará, tem presenciado denúncias de exploração sexual de crianças e adolescentes em algumas áreas, algo que, infelizmente, não é exclusividade do maior arquipelago fluvial do mundo. A pedra de toque para que isso viesse a tona novamente foi a apresentação da cantora gospel Aymeê Rocha em um reality. Na letra da música, Evangelho de Fariseus, de sua autoria, a artista citou o que ocorre na região e este hype foi aproveitado por artistas, influencers e religiosos em um ato de profundo oportunismo e inocência desmedida.
O assunto não é novo. As denúncias sobre o que ocorre com as crianças e adolescentes de algumas cidades da ilha já são antigas.Reportagens já foram feitas e documentarios foram produzidos aos montes acerca do tema. Uma comissão já foi instaurada para apurar a situação que envolve famílias e políticos locais em suspeitas, até mesmo, de tráfico internacional. Desde então, Ong’s serias e setores do poder público atuam frontalmente para coibir os casos com ações efetivas, levando políticas públicas para estes locais. Em maio de 2023, o Ministério de Direitos Humanos e Cidadania atua na região com o programa “Marajó Cidadão”, cuja a finalidade é garantir a população marajoara o acesso às políticas de Direitos Humanos.
Entretanto, a atitude missionária de grupos neopetencostais procura agir de forma oportunista, vendendo uma visão de miséria e salvação em um ato de minimização do trabalho de governos (estaduais e federais) e organizações sérias, instituindo uma ajuda humanitária de fachada. É como se estes religiosos agissem com o intuito claro de vender uma imagem de “Terra Arrasada”, um cenário de total miséria onde nem o poder público e órgãos competentes na promoção direitos e cidadania alcançam. E isso aconteceu exatamente no governo anterior, que facilitou a entrada destes grupos oriundos da região sudeste do país.
Essa visão de caos total, veiculada pela extrema-direita e sua máquina de irresponsabilidade, auxilia ainda mais na veiculação de boatos a respeito, vendendo uma imagem de uma “terra de ninguém” como se o estado estivesse fazendo vista grossa no atual governo. Prova disso são as imagens e postagens que circulam nas redes sociais com informações falsas, imagens retiradas de contexto vinculadas a um problema de responsabilidade do estado, que vem cumprindo o seu papel na adoção de políticas públicas sobre o problema, algo que poderia ser feito pelos antecessores da atual gestão da pasta de direitos humanos, em especial, da ministra que antecedeu Silvio Almeida. E o que ela fez? Nada!!! Aliás fez.
Em 2022, durante o culto realizado em uma igreja na cidade de Goiania (GO), a atual senadora Damares Alves (Republicanos-DF), então ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, disse que as crianças estavam sendo traficadas e tinham seus dentes “arrancados para elas não morderem na hora do sexo oral”. Após esse discurso, eivado com declarações promiscuas anteriores de que “as meninas do Marajó não usam calcinha”(Isso foi dito em 2019, mas parece algo recente), o Ministério Público Federal pediu explicações e , em um ato claro de uma possível prevaricação não realizada (contem ironia), negou ter provas materiais e atribuiu ao ato terceirizado do “ouvi dizer”, alegando que ouviu depoimentos de habitantes da ilha. No final das contas, o órgão pediu uma indenização pública de R$ 5 milhões para ex-ministra ressarcir. Vale lembra que ela ainda enfrenta uma denúncia sobre tráfico de indígenas e exploração sexual no Amapá.
Esse é um dos modus operandi que grupos conservadores usam para se livrar do problema quando assumem o poder público. Para além das declarações negativas da própria Damares, o ministério anterior, comandado por ela, foi responsável para abrir as portas para que grupos neopetencostais do sudeste viessem “salvar as crianças do Marajó” em suas missões evangelísticas, o que foi motivo de condecorações como a recebida pela Zion Church, denominação que tem crescido em número de fiéis no país.
O que vimos, nos últimos dias, é um retrato de como a população marajoara e região norte como um todo, é tratada por grupos conservadores. Garimpeiros, serralheiros, grileiros, religiosos neopetencostais, pessoas que aproveitam a dita invisibilização como a oportunidade ideal para apossar, aculturar, aniquilar e destruir em benefício próprio, sem que o estado interfira. Vimos isso, recentemente, nas ações de um ministro que aproveitou a pandemia de Covid 19 para “passar a boiada”, queimando partes da Floresta Amazônica para dar lugar a pastagens de grandes latifundiários, sem contar a invasão, para fins de garimpo ilegal, das terras da Reserva Yanomami “Raposa Serra do Sol”, causando a maior crise humanitária que o Brasil já viu, fato este que contou, mais uma vez, com a omissão de quem assistiu uma tragedia envolvendo vidas (humanas, animais e naturais) do alto de sua goiabeira.
Enquanto missionários neopetencostais e grupos, com atuação duvidosa, ganham likes e visualizações com clamores oportunistas sobre a situação de exploração sexual na Ilha do Marajó, sensibilizando quem ainda não se atentou sobre os anseios eclesiásticos de poder acima dos atos nobres, organizações e poder público trabalham, trazendo políticas públicas com fins de desenvolvimento, diferente de catequizar e converter gentios, algo que já foi feito pela religião no nosso país, quando colonizaram os nossos indígenas em nome de Deus. Portanto, o que a população das dezessete cidades que compõem a Ilha de Marajó precisa não está na catequização com fins de promoção social e nem mesmo de incursões “neosalvadoras” de cunho religioso ( aquelas como a Igreja Universal faz em Irecê com o tal projeto do Crivella). Não é fábrica de calcinhas que a senadora Damares, no auto de sua ignorância proposital , queria colocar que irá resolver os problemas locais, mas sim a presença do estado, das decisões que se tomam em Brasília.
Para finalizar, o Marajó não é uma terra perdida, que essa gente insiste em mostrar para simular uma solidariedade que não existe, mas sim um lugar com uma riqueza natural vasta, um cartão de visitas da nossa Amazônia que deve ser visitada e seu povo respeitado. Infelizmente, ainda existe focos de exploração sexual com crianças, adolescentes e mulheres, seja nos lugares mais ermos e no seio da própria família. O tema, para além de qualquer “oba-oba” deve ser tratado de forma séria como assim requer.