Alcançamos a expressiva marca de 1 milhão de brasileiros oficialmente infectados pelo Sars-Cov-2 e, entre tantos relatos que deixaremos desta pandemia, os abismos culturais do nosso país enfatizam o quanto estamos tropeçando em corpos.

Considerações sobre o número da pandemia:

Todos os países do mundo têm subnotificações – algo esperado quando se trata de um novo vírus e não estão disponíveis testes com alta sensibilidade e especificidade. Aqui no Brasil, isto piora, visto a histórica falta de investimento em insumos para produção de exames, reagentes, pesquisas e afins (e estes investimentos seguem sendo reduzidos). Perante a isto, dependemos de importações, com um dólar discrepante comparativamente à renda do brasileiro. Sendo assim, se perpetuará a ineficácia na testagem e com uma subnotificação que atinge números assustadores. Um milhão aqui é mais negligenciado do que em muitos lugares.

“Ah! Mas o Brasil tem uma população maior comparativamente aos países europeus”. A partir dos princípios epidemiológicos e da biologia do vírus, não posso me opor a esta proporcionalidade. Contudo, assistimos previamente aos outros países e estamos mais cientes das estratégias de prevenção e terapêutica. Mesmo assim, vulgarizamos esses “números-pessoas”… Um milhão aqui é mais cruel do que em muitos lugares.

A COVID-19 não tem tratamento, e os princípios de prevenção dependem de higiene básica, a mesma que não é adequadamente ensinada em nossas escolas e que para se tornarem concretas, dependem de fomento. Um milhão aqui é mais deseducado do que em muitos lugares.

Sem tratamento eficaz, as intervenções médicas dependem da porção mais cara da saúde. Por mais atuante que seja o SUS, todo contexto histórico misógino e desigual produz leitos lotados, principalmente ocupados pela parcela da sociedade que não teve direito a higiene básica e nem tem dinheiro para uma máscara a cada 4 horas, manutenção de isolamento, álcool gel e muitas vezes, nem a água (diretrizes da OMS para todo o mundo). Um milhão aqui é mais excluído do que em muitos lugares.

E mesmo antes de que haja informações que comprovem uma redução da disseminação e da mortalidade, estamos abrindo os shoppings centers – lugar onde as pessoas aprendem, compartilham vivências e experiências?! Não. Estes seriam os museus, espaços culturais e teatros, mas a cultura continua fechada. Nada mais simbólico para um povo que nasceu para manter a roda girando e morre para manter a “mais-valia” viva. Um milhão aqui é mais venenoso do que em muitos lugares.

Minha total empatia a todos que já desistiram, mas este nunca foi o caminho da prosperidade. E para não ser diferente, e como ilustração de mais um episódio da nossa pandemia, traduzo meu descontentamento com uma música interpretada por Lenine…

“Enquanto todo mundo espera a cura do mal

E a loucura finge que isso tudo é normal

Eu finjo ter paciência

O mundo vai girando cada vez mais veloz

A gente espera do mundo e o mundo espera de nós

Um pouco mais de paciência

Será que é tempo que lhe falta pra perceber

Será que temos esse tempo pra perder

E quem quer saber

A vida é tão rara (tão rara)”

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