Caro Velho Lua
Em tempos de internet, alta tecnologia, whats app, rede sociais e e-mails, resolvi escrever uma carta para aproveitar o advento do 5G e transmitir as notícias deste mundo, com maior rapidez, refletindo o sentimento de todos em meio a tantos acontecimentos. Não estranhe se eu te falar que atualmente estamos trancados em casa, sem fogueiras e nem fogos, por conta de uma pandemia que assola o mundo, atacando o sistema respiratório e trazendo outros sintomas, levando o “cabra” a morte.
Sua música e seu legado estão sendo transmitidos em canais de streaming pela na grande rede. O mundo, em tempo real, vê a sua história e a sua produção que fala do sertão, da seca, dos amores e dos casos de homens e mulheres reais. Hoje não temos as bandeirolas e balões que adornam e dão colorido às ruas, pois o medo de nos tomarem a vida preenche o vazio dos dias frios de inverno.
E neste inferno diário, vivemos, ou melhor sobrevivemos, no país onde um governante dá péssimos exemplos frente a uma calamidade pública, deixando 210 milhões de habitantes a mercê da própria sorte, em uma roleta russa entre a vida e a morte. Ficamos em casa para não superlotar o sistema público de saúde e, se não fosse por ele, teríamos uma tragédia muito pior. Sei que, caso vivo estivesse, estaria senil e consciente para escrever uma composição, denunciando este estado de coisas, reclamando com Deus assim como em uma Súplica Cearense que o “compadi” Gordurinha te ofereceu. Mas quem contou a morte de um vaqueiro em verso e prosa, certamente vai tirar de letra esse desabafo.
Vivemos divididos, polarizados, insatisfeitos com um país que discrimina negros e nordestinos, mata mulheres, índios e jovens. Este é um Brasil distante da sua alegria, vista e revista por milhares em matinês lotadas no auditório da Rádio Nacional naquelas tardes das décadas de 40 e 50. Infelizmente esse país cheio de problemas existe e resiste ao passar dos tempos. Nem mesmo a “cinturinha de pilão” dá para esconder a misoginia dos versos e nem mesmo o senhor falaria frases como “Mulher querendo é bom demais.” ,pois grupos feministas “cairiam de pau”. Nestes tempos, não dá mais para cantar o Xote das Meninas e falar que “Ela só quer, só pensa em namorar”, pois a mulher está conquistando espaços nunca antes imaginados, enfrentando obstáculos para se impor frente a um mundo hegemonicamente masculino.
Talvez, hoje em dia, o senhor falaria da luz na roça, do matuto com o celular na mão, que pode filmar, mostrar a sua plantação em tempo real e ser blogueiro para levar uma “Vida de Viajante”, assim como eu quero fazer com os meus dotes jornalísticos. Talvez você falaria de um certo barbudo irmão nosso, que se tornou presidente e a pessoa mais respeitada no mundo ou então de um intelectual, bem como de uma mulher que também sentou a cadeira da presidência. O senhor também cantaria sobre os cuidados com o meio ambiente e teria como parceiros grandes artistas que se espelham na sua obra, nomes de primeira linha como Lenine, Mestrinho, Zeca Baleiro, Chico César, Chico Science e Carlinhos Brown ou então faria parcerias pontuais com Flávio José, Targino Gondim, Adelmário Coelho e veria a sua criação se modernizar ecoando pelos quatro cantos do país em tons “lambadeados” por bandas com quatro, cinco cantores. Talvez você veria com muito orgulho as mulheres despontando cada vez mais, uma em especial, baiana e sertaneja como tu, que herdou a sua alegria em levar na música a verdade de um povo e se eternizar nele.
E como em um retorno da Asa Branca, olhamos para nossas tradições com grandes lembranças das quadrilhas, dos trios nordestinos que saiam as noites para ir de casa em casa perguntar se “São João passou por aí”. Em meio a iminência de um “novo normal”, creio que só iremos ficar com as lembranças ou revisita-las com mais intensidade. Certamente, depois que tudo isso acabar, iremos sentar em frente a uma fogueira e celebrar a alegria do nosso povo e a fartura nas nossas mesas. Saudade de viajar, pegar estrada, sentir o clima do interior, visitar os nossos parentes e pegar aquele gostinho de Pé de Serra.
Em meio a essa loucura que se tornou as nossas vidas em 2020, a lembrança da sua presença neste plano nos consola. A sua alegria é o maior legado para seguir em frente e encarar esse tal de “novo normal” com a natureza preservada, os mares limpos, o ar puro e os pássaros cantando. Vivamos o São João em um novo tempo,com a esperança renovada.
Com o carinho de sempre e agradecido pela sua contribuição, do cabra mais feliz em seguir o seu legado, um cidadão nordestino com muito orgulho
Gustavo Medeiros