Depois de um tempo volto aqui, para transformar sentimentos em palavras. Estas que estão nascendo como um cataclisma de uma digitação acelerada… desta vez me dou a liberdade de fugir de contemporaneidades, e me permito a liberdade de abrir meu coração (coisa que quem me conhece sabe que não é tão fácil de ser feito). Não sei quem irá ler e se irá, mas transformar sentimentos em textos e poesias tem sido algo que tem me tornado um ser humano melhor (perdão pelo paradoxo “ser humano e ser melhor”?)
Para contextualizar, uma das linhas de pesquisa do meu grupo, mais especificamente a correlacionada ao meu doutorado e mestrado de uma amiga minha, foi publicitada em diferentes meios de comunicação, tendo como porta-voz a minha orientadora (saiu no NYT, na NetGeo, na CNN e alguns outros).
Todo sonho de um cientista é ter sua pesquisa publicitada, valorizada e presente na vida da sociedade, para os animais e para o meio ambiente. Falo sonho de cientista porque, apesar de tão retilíneo que pareçamos ser, todo bom cientista vive e fomenta sonhos. Todo experimento ou descoberta começou de um sonho. Um sonho oriundo de um, mas que é feito por muitos. Me permito a dizer que fazer ciência é sonhar agindo.
Pois bem, os estudos saíram em diferentes meios de comunicação, ficamos famosos na nossa área. Mas a cada entrevista ou pergunta feita, em meio ao efusivo entusiasmo das “lágrimas dos jacarés”, cobria-se por nós um véu escuro do cansaço e da sensação de limitação. Um véu cruel que tentamos lutar contra, mas todos os dias a vida científica nos prova que a louvável persistência é uma rua sem saída, e para mim, que já sou um pouco “Nilista”, desistir faz parte.
Eu comecei a fazer ciência correndo atrás de um sonho, que foi de minha orientadora e adotado por nós sua equipe: como o jacaré consegue ficar tanto tempo sem piscar e a lágrima não secar? Eu fiquei sem dormir por isso, viajei para outros países por isso, me afastei da minha família, corri para terapia, confundi vida profissional com vida pessoal, não me reconheci (e não me reconheço) sem ser cientista.
Mas este texto é não é uma queixa, mas sim uma documentação de um episódio que aconteceu ontem… recebi um email de uma advogada de Portugal que me levou às lágrimas (valorosas lágrimas aos que tem), que em súplica me perguntou se poderia se oferecer a nossa pesquisa se já houvessem testes em humanos, pois há dois anos perdeu totalmente sua qualidade de vida, após uma cirurgia oftálmica e ter ficado totalmente com um dos olhos ressecados. Ela viu o nosso artigo na reportagem do NYT. Ela relatou que perdeu a qualidade ao dormir, ao trabalhar; o vento, a chuva, o ar-condicionado, tudo agrava. Ela já foi a diferentes oftalmologistas e já utilizou de diferentes tratamentos. Hoje ela retira parte do seu sangue para colocar em seus olhos, para ter um pouco mais de conforto (leia-se soro sanguíneo como parte do sangue, e este protocolo é realizado sob supervisão médica). E eu confesso, não sei o que responder. Como vou falar para esta pessoa que eu não conheço, mas que me despertou tamanha comoção, que minhas pesquisas chegaram na rua sem saída? (novamente às valorosas lágrimas voltam…).
Meu sonho se limitou por falta de retorno (financeiro, empático, burocrático) e por falta de esperança que as coisas possam melhorar. Sozinha, com lágrimas, vou recolher em mim a sonhadora cientista com tantas aventuras no currículo, e ser a pragmática, reta e fordista que a sociedade do capital me oferece. E me desculpe portuguesa, por não ter conseguido oferecer uma alternativa para o alívio das suas dores.
Este sonho está calejado, pode ser que ele ressurja mais forte e experiente, ou no mínimo ele será uma boa história para contar. Afinal…
“A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que chega a roda viva e carrega o destino pra lá…”
Por Ana Raposo