Estamos todos no mesmo barco!

(Aqui na França, QUASE que sim!)

 

O COVID-19 representa uma crise devastadora e sem precedentes que afeta a todos nós, em todos os lugares. Nenhuma região ou país é poupado e este é um momento decisivo na história da humanidade.

Mas será que esta crise afetou a todos de maneira igualitária?

Existe um fator determinante na taxa de mortalidade por Covid: a pobreza. O Covid afeta mais os pobres em qualquer região do mundo.

As Nações Unidas publicaram no dia 11 de julho de 2019 o Índice Multidimensional de Pobreza, e foi relatado que há cerca de MEIO BILHÃO, ou seja, 500 milhões de pessoas vivendo na pobreza no mundo.

A primeira diferença gritante entre o Brasil e a França está na diferença entre os números de pessoas abaixo da linha de pobreza.

No Brasil, em 2019, já se somava 54,8 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, sobrevivendo com até 145 reais mensais; na França, o número de pessoas abaixo da linha da pobreza foi de 8,2 milhões de pessoas.

Hoje, nesta coluna, escrevo sobre a diferença em relação ao tratamento do Covid na população pobre no Brasil e na França.

Sim, população pobre, aquela que não importa onde esteja, foi definitivamente, a mais prejudicada com a pandemia.

As populações mais pobres estão de fato mais expostas por dois motivos:

Primeiro, do ponto de vista econômico, é provável que a epidemia afete mais a renda e o padrão de vida das populações mais pobres. Ela agravará principalmente as populações mais marginalizadas e reforçará as desigualdades socioeconômicas existentes.

Mas esse não será o ponto tratado na coluna, hoje.

O segundo motivo está relacionado à saúde, uma vez que o risco de se contrair o vírus e se desenvolver uma forma mais grave da doença é maior entre a população pobre. E este é o tema da nossa coluna hoje.

Na França, alguns dados sugerem que o COVID-19 afetou áreas menos favorecidas. Desta forma, percebeu-se que a epidemia atingiu mais, por exemplo, a região Seine-Saint-Denis, departamento mais pobre da França, com o dobro de mortes entre 1 de Março e 6 de Abril 2020 (dados do INSEE). Este excesso de mortalidade (102%) é superior ao dos outros departamentos de Paris (como exemplo, 78% em Val-de-Marne).

Porém, por mais que haja discrepância entre as classes sociais na França, essa diferença é muito menos assustadora que no Brasil.

Segundo o Oxfam BR, o Brasil, que é um dos países com mais desiguais do mundo, foi também onde o Covid atingiu duramente os mais pobres.

A realidade do pobre brasileiro é caracterizada por condições precárias de moradia; geralmente habitam regiões onde há superlotações e que muitas vezes o isolamento social é impossível. Não há saneamento básico como esgoto e água potável. Trata-se de uma população que possui uma atenção à saúde já debilitada, cujas políticas públicas de prevenção e de acesso à saúde em geral são escassos. Prevenir a doença é, então, um desafio, o que impulsiona o atendimento dessa população pelo sistema de saúde  somente após a contração da doença. Além disso, essas mesmas pessoas geralmente trabalham em serviços essenciais, ou seja, estão expostos mais uma vez aos riscos da pandemia.

A pobreza na França tem um aparato de cuidado e prevenção maiores, existe mais ajuda social para o seu combate. Por mais que se seja pobre aqui, a dignidade é mantida por meio de moradias, saneamento básico e, principalmente, o acesso universal e ilimitado aos serviços públicos de saúde.

No Brasil, o SUS, atende mais de 190 milhões de pessoas, sendo que 80% delas dependem exclusivamente desse Sistema para qualquer atendimento de saúde.

O SUS é completo, oferece todas as especialidades, é universal, não deixa de atender ninguém, e é gratuito para quem usa, porque já foi pago com os impostos. Inclusive possui o maior programa gratuito de vacinações e transplante de órgãos.

Porém o SUS funciona muito pior do que poderia, porque tem um sério problema de implementação e gestão que foi nitidamente vista nessa questão do COVID. No SUS, faltam duas coisas básicas: Investimento e foco em prevenção.

Na França, o sistema de saúde é também, COMPLETAMENTE público, universal, de relativa qualidade e, em sua maioria, financiado pelo próprio Estado assim como o SUS brasileiro, mas aqui, funciona!!

Isso inclui médicos, dentistas e principalmente os remédios. Todos os remédios receitados pelo médico são gratuitos quando você é um cidadão (ou residente) francês.

O Estado francês financia cerca de 80% do sistema de saúde por meio de um sistema de seguro nacional de saúde. O sistema de saúde francês garante acesso a médicos e hospitais, além de medicamentos (na maioria das vezes, gratuitos ou com baixo custo).

O governo francês atribui uma parte considerável do PIB do país para a criação de serviços sociais, sobretudo na área de saúde, que atualmente recebe aproximadamente 10% do PIB total do país.

Ou seja, existe uma política social abrangente e uma universalização do acesso a serviços gratuitos.

Apesar de um certo desmonte tido como inevitável dentro de um contexto da ofensiva neoliberal, ainda há uma proteção social universal.

Sem entrar no aspecto técnico desta questão e em todas as suas minucias, trataremos de como isso afeta o número de mortos por Covid, principalmente na população pobre.

Quando temos um sistema de saúde REALMENTE único para todos, isso significa que o indivíduo, ao necessitar do hospital público por Covid, estará concorrendo a vaga nos leitos de forma igualitária com outro indivíduo, sem levar em consideração o poder aquisitivo.

Contrariamente, no Brasil, a mortalidade em UTIs públicas para covid-19 é o dobro de hospitais privados, segundo dados do projeto “UTIs Brasileiras”, produzido pelo Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira).

Segundo esta mesma pesquisa, a taxa de mortalidade nas unidades privadas ficou em 19,5%, enquanto em hospitais públicos chegou a 38,5% —o que dá um índice 97% maior (dados são referentes a saídas de UTI entre 1º de março a 15 de maio, período em que muitos estados registraram fila de espera para terapia intensiva).

Acredito que isso também esteja ligado diretamente a como cada cidadão se comporta em relação ao Covid. Enquanto na França foi aplicado o lockdown e as pessoas levaram a sério as minúcias dessa doença, no Brasil houve uma normalização (e banalização) do número de mortes. Caso existisse, como aqui na França, fila única e regulada segundo gravidade e critérios clínicos, independente do hospital ser público ou privado, a população detentora de maior poder aquisitivo e também responsáveis pelas principais decisões do país, levariam mais a sério a gravidade dessa doença.

Isso é a diferença entre viver e morrer, e ser pobre mata, principalmente no Brasil.

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